Transtorno da Compulsão Alimentar atinge, sobretudo,
as fãs de dietas. Identificou-se? Descubra como tornar sua relação com a
comida uma união estável — e saudável
por Gislene Pereira
Nunca tivemos um acesso tão
grande à comida (pouco saudável, diga-se de passagem) e gastamos tão
poucas calorias quanto agora. Resultado: estamos engordando (sim, todas
nós). “Mesmo sem nenhuma grande variação em nossa carga genética nas
últimas décadas, a obesidade teve um crescimento avassalador em todo o
planeta”, alerta Adriano Segal, diretor de psiquiatria e transtornos
alimentares da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da
Síndrome Metabólica (Abeso).
De acordo com uma pesquisa realizada
pela The Nielsen Company em 56 países, incluindo o Brasil, estamos
conscientes desse aumento nas medidas: 53% das pessoas se consideram
acima do peso. Na América Latina, 58% dos entrevistados afirmam estar
longe da forma ideal.
Para um grupo de pessoas em especial, subir
o ponteiro da balança não está ligado apenas ao sedentarismo e à má
alimentação: uma interação complexa entre fatores psicológicos,
neurológicos, químicos e hormonais está envolvida no ganho de peso dos
obesos. A revista científica The Lancet apontou que o número de adultos
que fazem parte do grupo com IMC maior do que 30 dobrou desde 1980. São
mais de meio bilhão de adultos muito acima do peso no mundo. Ainda que
você não faça parte dessa turma, sem dúvida conhece alguém que engorde a
estatística.
Por que é tão difícil emagrecer?
O
controle remoto da televisão foi um dos primeiros bodes expiatórios do
nosso aumento de peso, mas sabemos que a modernidade não é a verdadeira
responsável pelo desastre na balança.
O ritmo de vida que temos
reduziu o tempo disponível para praticar esportes, caminhar diariamente e
queimar calorias. Cheinhas, buscamos mais dietas para ficarmos magras.
Na pesquisa feita pela The Nielsen Company, descobriu-se que 74% das
pessoas se submetem a algum tipo de regime restritivo.
Só que o
esforço em busca da boa forma pode ser um tiro no pé para quem quer
emagrecer. É plausível a ideia de que dietas recorrentes, principalmente
as que prometem resultados mágicos, desregulariam mecanismos finos e
delicados de controle de fome e de saciedade. Por isso é tão comum o
círculo vicioso de ganho-perda-ganho de peso. Nosso cérebro (e nosso
organismo) já não sabe como se portar diante da alternância de privação e
oferta de alimento.
Além de levá-la ao efeito sanfona, os
regimes malucos colocam você na mira dos transtornos alimentares. A
grande parte dos que sofrem de anorexia e bulimia teve o quadro iniciado
por dietas.
“Por isso afirmamos que quem deseja perder peso deve
ficar longe dos malabarismos alimentares. O ideal é fazer um
acompanhamento com, no mínimo, três profissionais — médico,
nutricionista e educador físico — a fim de evitar complicações
psiquiátricas”, diz Segal.
Então quer dizer que todas nós
conseguiríamos manter o peso normal com a fórmula acima? Não é bem
assim. “Algumas pessoas — muitas vezes levadas por sentimentos como
stress, melancolia e ansiedade —perdem o controle da quantidade de
comida que levam à boca”, afirma o endocrinologista Alfredo Halpern,
fundador da Abeso e coautor do livro O Estômago Possuído (Ed.
BestSeller, 144 págs., R$ 19,90), juntamente com Adriano Segal.
Comer
muito, de forma rápida e sem controle, faz parte da rotina de quem
sofre de transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), doença
prevalente entre as mulheres. Quem tem TCAP chega a ingerir até 12 mil
calorias por dia e alimentos de que nem gosta. A conduta compulsiva não
tem uma causa única para todos os portadores, mas geralmente acomete
indivíduos que encontram nos alimentos uma forma de descarregar
sentimentos negativos. Fazer da comida uma muleta traz como consequência
o aumento de peso (muitos portadores de TCAP são obesos) e, de quebra,
problemas como colesterol alto e diabetes.
Em busca de um manequim menor
O
primeiro passo é sentir o clique — momento em que algo no modo de
pensar em relação à sua imagem muda — e aceitar que precisa repaginar o
guarda-roupa. “Muitas pessoas não se percebem gordas devido ao mecanismo
psíquico da negação”, diz o clínico-geral e psicoterapeuta argentino
Máximo Ravenna, considerado um dos maiores especialistas em
emagrecimento saudável da América Latina — com consultórios no Brasil,
Argentina, Uruguai, Paraguai, além da Espanha — e criador de um método
de emagrecimento multidisciplinar que possibilita a perda de peso
(geralmente acima de 30 kg) sem o uso de medicamentos ou cirurgia.
Tal
negação funciona mais ou menos assim: diante do fato que a faz sofrer
(o excesso de peso) e a falta de recursos para mudar, a pessoa opta por
negar o que o espelho reflete. “Muitos pacientes sentem-se mais gordos
ao iniciar o processo de emagrecimento do que antes de começar”, aponta
Ravenna. “Isso porque eles passam a se olhar com os olhos bem abertos.”
Uma
vez determinada a mudar a silhueta, é preciso trabalhar a autoestima.
Quem desconfia do próprio taco não encontra elementos fortes para ficar
na linha. Pior: pode voltar a se alimentar de forma descontrolada a
qualquer momento. “A baixa autoestima e a insatisfação com a própria
imagem corporal muitas vezes são as responsáveis pelo mecanismo de comer
em excesso”, aponta Ravenna. “Ao mesmo tempo, o sobrepeso provoca uma
diminuição na autoestima e a pessoa cada vez mais se desvaloriza.”
Para
tornar o caminho da perda de quilos menos tortuoso, o psicólogo e
psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso, de São Paulo, revela seis
atitudes essenciais para conseguir, enfim, o peso ideal:
Pense em emagrecer e permanecer magra
Se
o seu objetivo for entrar no vestido do casamento, são grandes as
chances de recuperar tudo o que perdeu assim que a festa passar. Isso
porque o emagrecimento consistente (para toda a vida) é aquele em que os
resultados aparecem aos poucos — e não o que seca 10 kg em três
semanas. O segredo é mentalizar ‘Vou emagrecer e manter meu peso, não
importa quanto tempo o processo vai demorar’. Para isso, esqueça a dieta
da proteína, do carboidrato, da sopa...
“Invista em uma reeducação
alimentar que inclua todos os nutrientes, que seja flexível e, o mais
importante, se adapte às suas necessidades”, afirma o especialista.
Cuide do processo
Dessa
forma, emagrecer será uma consequência. Você conhece as ferramentas
básicas para perder peso (dieta balanceada e atividade física). Em vez
de subir na balança todos os dias para medir os quilos eliminados, que
tal dar mais atenção ao tempo que consegue trotar na esteira? Focar em
seu desempenho na academia — ou outro avanço que tenha conquistado — é
uma forma de desenvolver uma nova competência que (bingo!) vai ajudá-la a
ficar mais magra.
Faça da comida um prazer
Não
“o” prazer. Quem está insatisfeita com o próprio corpo deixa de ir à
praia, à academia e a eventos sociais aparentemente inofensivos, como
uma tarde no cinema, afasta-se dos amigos e se aproxima dos lanches e
doces. Para não cair na tentação de passar o fim de semana no sofá, que
tal resgatar um hobby antigo, como escrever ou dançar? “Encontrar uma
forma de se expressar (que não seja com garfo e faca) fará com que a
ansiedade diminua e que seu tempo seja ocupado de forma saudável”,
sugere De Tommaso.
Não encare os erros como catástrofes
E
sim como oportunidades de aprendizado. Para um magro, comer um
chocolate representa apenas matar a vontade por doce. Já alguém acima do
peso sente-se culpado por cair em tentação e, muitas vezes, encara o
deslize como um bom motivo para dar fim à dieta. Fuja dessa! Caso enfie o
pé na jaca, tente tirar uma lição do fato. Tenha em mente que a
desculpa ‘Vou comprar uma sobremesa caso receba visitas’ não funciona,
já que, se a vontade de comer a guloseima bater, você sabe que não
conseguirá se controlar. No lugar da torta holandesa, faça uma salada de
frutas saborosa. Se os convidados realmente aparecerem, vão adorar — e
elogiar sua força de vontade.
Emagreça de dentro para fora
Antes
de querer que seu estômago pare de suplicar por pizza, emagreça sua
mente. De nada adianta tentar diminuir as medidas para poder engolir
tudo o que deseja. É o que acontece com alguns pacientes que se submetem
à cirurgia bariátrica: continuam a comer em grandes quantidades, mesmo
sem ter um estômago que suporte tal volume. Ou seja, o corpo fica magro;
a cabeça, não.
Queira emagrecer de verdade
“Nem
toda pessoa acima do peso deseja mudar sua condição, pois vê ganhos
secundários se permanecer dessa forma”, afirma De Tommaso. Por exemplo, o
que lhe parece mais atraente: comer tudo o que quiser (lanche + fritas +
milk shake) e continuar gordinha ou pedir uma salada no fast food e ser
magra? Quem deseja perder peso deve estar disposta a abrir mão desses
benefícios — mesmo que sejam vantagens inconscientes.
Caso de amor e ódio:
Os
transtornos alimentares atingem ambos os sexos, mas são as mulheres
jovens como você que andam lotando os consultórios a fim de melhorar a
relação com a comida. Os problemas mais comuns são:
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP )
Quem
sofre de TCAP come sem ter fome, de forma excessiva (tanto na
frequência quanto no tamanho das porções) e em um curto espaço de tempo.
Os episódios de descontrole acontecem algumas vezes na semana e são
geralmente acompanhados de sentimento de culpa.
Bulimia nervosa
Após
se alimentar, quem sofre da doença tem o desejo de eliminar o que
engoliu, visando a manutenção do peso. Os meios encontrados são o
vômito, o uso de laxante e substâncias diuréticas. Há quem compense o
que comeu com uma quantidade exagerada de exercício físico.
Síndrome Alimentar Noturna (SAN )
Como
o nome sugere, durante a noite e a madrugada os assaltos à geladeira
acontecem (inclusive após a pessoa se deitar) e incluem combinações
malucas que nunca entrariam no cardápio da manhã (como bacon cru com
lasanha gelada). Durante o período de descontrole, o total de calorias
chega até a 50% de tudo o que foi ingerido ao longo do dia.
Anorexia
O
desejo de emagrecer é justificado pela distorção da imagem corporal,
quando a pessoa enxerga um reflexo no espelho que não condiz com a
realidade. Mesmo estando magra — muitas vezes abaixo do limiar
considerado saudável — o portador mantém uma dieta restritiva.
Diferentemente das mulheres bulímicas, as anoréxicas assumem que se
consideram gordas.
Fatorexia (ou gordorexia)
É o oposto da anorexia: mesmo acima do peso, o indivíduo não se enxerga
gordo (acredita que tem de 20 a 30 kg a menos). O fato geralmente está
ligado à realização de regimes constantes. De tanto engordar e
emagrecer, o portador perde a noção do formato do próprio corpo.
Assuma as rédeas
Os especialistas afirmam que não há cura para quem come compulsivamente, pois se trata de um problema crônico. Mas há alternativas eficazes para fazer com que um comedor compulsivo consiga controlar a vontade louca de comer, recuperar a autoestima e reduzir os sintomas da doença. “Pregamos que o tratamento precisa ser constante e multidisciplinar, focado na melhora da alimentação, na prática de atividade física e no acompanhamento psicológico”, afirma o endocrinologista Alfredo Halpern. “O uso de medicamentos deve ser aplicado apenas nas fases agudas”.
Acompanhamento nutricional
Anotar
as porções do dia é uma forma prática de enxergar se está extrapolando
ou se consegue manter um padrão de refeições a semana toda. A reeducação
alimentar deve ser orientada por um especialista na área, que indicará o
balanço de nutrientes necessários para evitar uma possível recaída, já
que a carência de determinados nutrientes no organismo pode desencadear a
fome excessiva.
Exercício físico
Atividades
aeróbicas proporcionam um efeito calmante sobre os comedores
compulsivos. E atuam em duas frentes: controlam a ansiedade e ajuda a
perder peso.
Psicoterapia cognitivocomportamental e terapia em grupo
Dividir
o problema com um profissional ou pessoas que passam pela mesma
situação é uma forma de estimular o autoconhecimento, fortalecer a
autoestima, controlar a ansiedade e preencher a sensação de vazio
comumente relatada por quem está acima do peso.
Medicamentos
Qualquer
substância deve ser indicada por um psiquiatra ou endocrinologista. As
medicações mais utilizadas são os ansiolíticos (controlam a ansiedade e a
tensão), antidepressivos (agem sobre substâncias reguladoras do humor,
como a serotonina) e as anfetaminas (estimulantes e inibidores do
apetite).
Controle as emoções
Quem
nunca devorou uns brigadeiros a mais nas festinhas infantis? Excessos
alimentares acontecem porque não comemos apenas para matar a fome, e sim
para saciar o apetite (ou gula). Fique atenta se as farras
gastronômicas acontecerem mais de uma vez por semana, principalmente em
momentos em que está sozinha. Nesse caso, é possível que elas possuam
fundo emocional e patológico. Os sentimentos mais comuns apontados pelos
comedores compulsivos são a ansiedade, a tristeza e a depressão.
Identificar, compreender e controlar tais sentimentos faz com que o
comedor compulsivo enxergue com mais clareza quem está com fome: o
organismo ou a mente. A cura para as questões do lado emocional só virá
com a aceitação do problema causador. As dicas a seguir servem para
driblar situações em que a relação com os alimentos se torna negativa.
Não fuja da comida
Evitar
eventos com fartura à mesa vai fazê-la sentir-se excluída socialmente,
um agravante para a depressão. Caso tema se descontrolar em público,
divida o medo com alguém próximo. Certamente vocês encontrarão outras
formas de passar o tempo que não seja atacando os quitutes (que tal
contar quais são os planos para a viagem de férias?).
Programe as refeições
Além
dos compromissos como reuniões de trabalho e consultas médicas, anote
na agenda a hora de comer. Se possível, determine o que vai ingerir em
cada refeição. Tal atitude diminui a ansiedade diante de todas as opções
de alimento disponíveis.
Perdoe a si mesma
Lembrar-se
constantemente de que você é humana e está sujeita a errar é o segredo
para evitar que a tristeza e a culpa sejam um gatilho para comer
demasiadamente. Ainda que tenha escorregado (muito) na dieta em uma das
refeições, não pense que tudo está perdido. Dessa forma você evita o
sentimento de impotência perante o seu objetivo e não coleciona mais um
deslize.
Será que é comigo?
Algumas
pessoas — muitas vezes levadas por sentimentos como stress, melancolia e
ansiedade — perdem o controle da quantidade de comida que levam à boca
Sua relação com a comida é saudável ou está mais para perseguição entre
gato e rato? Responda o questionário a seguir, elaborado pelo Comedores
Compulsivos Anônimos (comedorescompulsivos.org.br), grupo de ajuda
física, emocional e espiritual. Se assinalar mais de três itens, é
possível que sua vontade de comer um pote de sorvete de uma só vez
precisa ser dividida com um especialista em compulsão alimentar.
[ ] Você come quando não está com fome?
[ ] Você faz farras alimentares continuamente e sem razão aparente?
[ ] Você sente culpa e remorso depois de comer compulsivamente?
[ ] Você gasta muito tempo comendo ou pensando em comida?
[ ] Você espera com prazer pelo momento em que possa comer sozinha?
[ ] Você planeja com antecedência as comilanças secretas?
[ ] Você come sensatamente em companhia de outras pessoas mas depois perde o controle quando está sozinha?
[ ] Seu peso está afetando seu modo de viver?
[ ] Você tentou fazer dieta por uma semana (ou mais) somente para abandoná-la perto de sua meta?
[ ] Você fica ressentida quando as pessoas lhe dizem para ter um pouco de força de vontade para parar de comer demais?
[ ] Apesar de as evidências dizerem o contrário, você afirma que pode fazer dieta por si mesma quando quiser?
[ ] Você anseia desesperadamente comer em determinado momento — do dia ou da noite — fora da hora das refeições?
[ ] Você come para fugir de aborrecimentos ou dificuldades?
[ ] Você já passou por tratamento de obesidade ou problemas relacionados à alimentação?
[ ] Seu comportamento alimentar faz você ou outras pessoas infelizes?
Fonte: http://revistawomenshealth.abril.com.br/edicoes/041/dieta/livre-se-vicio-comer-678772.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário